Segurança alimentar e sustentabilidade: como a China está ditando as diretrizes do agro

As projeções indicam que, nos próximos anos, o PIB chinês deve volta a crescer a altas taxas, assim como sua participação no mercado internacional

A China se consolida como o grande protagonista do mercado internacional, tanto o agrícola como de outros setores da economia.

A interdependência entre Brasil e China é um ponto que merece destaque, em qualquer análise a ser efetuada, seja na área de grãos ou de carnes.

Um exemplo: o mercado de carnes foi afetado pela peste suína que atingiu o Leste europeu, com particular impacto na Rússia e de lá se estendeu para a Ásia. Na China houve redução de 45% do rebanho suíno, uma parcela do rebanho constituída por criações de menor nível tecnológico, o que incluía baixo status sanitário.

O fato se desdobrou em duas vertentes: o aumento da aquisição de carne suína (e de outras carnes) no mercado internacional e a progressiva reconstituição do plantel e da produção suinícola na China, porém em bases altamente tecnificadas do ponto de vista genético, nutricional e sanitário. As duas ações impactaram o mercado de grãos (mormente soja e milho), com escalada de preços e boas cotações.

Eixos e diretrizes

China, Agro

Foto: Envato

Examinando o médio prazo, vislumbra-se duas variáveis diretrizes muito importantes: a segurança dos alimentos e a temática socioambiental. Desnecessário justificar a importância da segurança dos alimentos, mas na temática ambiental e social entendemos que se trata de antecipação de metas em uma agenda que já estava implantada.

A questão ambiental tangencia a segurança dos alimentos (biológica, química e física) e a temática social ficou exposta na pandemia: a desigualdade social, seja ela dentro de um país, ou entre países e continentes, expõe todos a uma elevação do risco de qualquer perigo que envolva questões sanitárias. Seguramente será parte das preocupações da sociedade, expressa nas certificações dos produtos agrícolas e em exigências comerciais de países ou blocos.

Em ambos os casos, cresce a importância do avanço tecnológico, lastreado em investimentos elevados e continuados em ações de Ciência e Tecnologia. Porém, lateralmente aos dois eixos principais, são esperados realinhamentos cambiais, modificando a competividade dos países ou blocos, sempre tendo em conta que a China se imporá como potência econômica, tecnológica, fornecedora de insumos e produtos acabados, e maior importadora de alimentos.

Por qualquer ângulo que se analise a questão, verifica-se a onipresença da China. As projeções indicam que, nos próximos anos, seu PIB volta a crescer a altas taxas, suas reservas internacionais aumentarão, assim como sua participação no mercado internacional.

O aumento da renda per capita e da inclusão social trarão novos cidadãos chineses para o mercado de consumo de produtos agrícolas, particularmente de carnes. O mercado consumidor chinês tende a sofisticar e incorporar hábitos ocidentais. Este conjunto favorecerá muito o Brasil, se nós soubermos capturar as oportunidades, sempre tendo em conta que a China procurará garantir fontes de suprimentos seguras e estáveis, base de sua segurança alimentar nos próximos anos.

O mercado de carnes continuará excitado no curto prazo, favorecendo o mercado de grãos. A China deve tornar-se o maior produtor de frangos do mundo, o que provocará uma recomposição no mercado e um trade-off entre carnes e grãos.

Em relação à segurança dos alimentos, deve-se esperar exigências cada vez mais restritivas, seja do ponto de vista biológico, químico ou físico. Antecipam-se metas de exigências de rastreabilidade e certificação. E, por transbordamento da questão, temas como a sustentabilidade da agricultura – e, por extensão, a proteção que um país confere ao seu ambiente – serão fulcrais no mercado internacional. Assim como serão buscados mecanismos para reduzir a desigualdade social, que tem fortes implicações na questão da pandemia, e que também deve impactar o mercado internacional de produtos agrícolas.

Enfim, teremos anos muito movimentados pela frente, com diversas mudanças estruturais no curto prazo, que impactarão o longo prazo do mercado do agronegócio.

Por Décio Luiz Gazzoni, Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja, membro do Conselho Científico Agro Sustentável e da Academia Brasileira de Ciência Agronômica