Lei Antidesmatamento: saiba o que muda para o agro com possível flexibilização da UE

Mesmo com essa mudança, o agro brasileiro vem tomando medidas a fim de comprovar a produção livre de desmatamento para os países europeus

Em uma mudança estratégica, a União Europeia sinalizou a possibilidade de adiar a implementação da classificação de risco para desmatamento que seria aplicada aos fornecedores de commodities agrícolas, segundo a imprensa internacional.

A medida, originalmente prevista para dezembro de 2024, visa dar mais tempo aos países para se adaptarem à nova legislação.

Impacto para o agro brasileiro

Saiba O Que Muda Para O Agro Com A Flexibilização Da Lei Antidesmatamento Da Ue

Foto: Envato

Para os exportadores brasileiros, o adiamento não altera a data de início da Lei Antidesmatamento nem seu impacto. A diferença está no rigor da análise do fiscal europeu. Se antes os produtos brasileiros receberiam classificação individual (“alta”, “média” ou “baixa”) para desmatamento, agora todos os fornecedores serão considerados como “risco padrão”.

O novo sistema, chamado “Standard Risk”, coloca todos os países no mesmo patamar, mitigando as desvantagens competitivas e nivelando o campo de jogo. Isso significa que regiões com alto risco de desmatamento não serão penalizadas no preço, inibindo a punição e tornando a regulamentação menos rigorosa para esses ambientes.

“Esse é um dos grandes pontos positivos dessa mudança. Ele vai diminuir a concorrência desleal entre os produtores. A gente nivela todos e a partir daí a gente não coloca esses riscos dentro do preço, basicamente. Conseguimos inibir a punição para aquelas regiões que aparentemente, ou a princípio, têm taxas mais altas de pressão de desmatamento. Você coloca tudo numa situação mais equilibrada e a regulamentação fica menos rigorosa para esses ambientes que estão mais expostos ao risco de desmatamento”, destaca Marcos Cerutti, diretor de sustentabilidade da Captar Agro.

Embora a flexibilização possa sugerir mais alterações na lei até sua implementação em dezembro, especialistas tanto do Brasil, quanto da União Europeia, acreditam que isso é improvável.

“Tudo é possível, mas é improvável. Por quê? Porque todo esse contexto está sobre um espectro maior, que é o Green New Deal europeu, que tem a intenção de alcançar a neutralização completa até 2050. Então, todas essas regulamentações que estão sendo propostas fazem parte desse grande ambiente”.

Ele continua, “eu sinceramente não acredito que haverá flexibilização agora, ou que possam surgir mais concessões, porque a União Europeia está muito pressionada pelos limites e pelos objetivos que estabeleceu em relação ao Green New Deal. Entretanto, uma possibilidade é criar um fórum mais aberto para maiores discussões, principalmente com os players que estão diretamente afetados por essa nova legislação”, cita Cerutti.

A medida não é vista como um efeito aos recentes protestos dos agricultores europeus, mas sim como uma resposta às pressões de países afetados, como o Brasil, e de países desenvolvidos que temem que a UE defina as regras do mercado.

“A pressão dos agricultores europeus para essa situação específica de concessão que a União Europeia está fazendo não é o principal impulsionador. Basicamente, os principais impulsionadores para essa concessão da União Europeia vêm dos países que seriam extremamente afetados, como o Brasil e alguns países do Sudeste Asiático. Outro impulsionador são os países desenvolvidos que têm muita preocupação com a União Europeia liderando as regulamentações do mercado. Então, você tem pressões de países desenvolvidos. Eu acredito que essa seja a principal razão por trás dessa concessão”.

Segundo o diretor de sustentabilidade da Captar Agro, é necessário, também, considerar a situação econômica delicada da Europa, especialmente em relação às questões inflacionárias.

“Um movimento como esse, que seria implementado até o final do ano, traria pressões nos preços do mercado europeu, algo que a União Europeia e os Estados-Membros não desejam neste momento. No entanto, é importante ressaltar que essa concessão não significa que a lei ou a regulamentação não entrará em vigor. Ela entrará em vigor, e nossos produtores precisam estar preparados e alinhados o mais rápido possível, ou buscar aderência, senão poderão enfrentar complicações no futuro em relação às suas exportações para o bloco europeu.”

Plataforma comprova produção livre de desmatamento do Brasil

Mesmo com a flexibilização por parte da União Europeia, o agro brasileiro vem tomando medidas a fim de comprovar a produção livre de desmatamento.

O país vem apresentando diversas ações para garantir a rastreabilidade e a sustentabilidade da produção agropecuária nos últimos anos.

Além da meta de zerar o desmatamento ilegal em todo o território nacional até 2028, por meio de projetos como o REDD+, as autoridades brasileiras vêm buscando acelerar a validação do CAR (Cadastro Ambiental Rural) e promover a rastreabilidade em toda a produção agrícola, principalmente para a pecuária.

“A indústria da carne hoje já possui procedimentos em prática para o controle socioambiental, incluindo critérios relacionados ao desmatamento e ao trabalho escravo. Ou seja, nós sabemos como fazer isso. A grande questão hoje é: como faço para ter isso em toda a cadeia? Hoje tenho apenas 90 dias, então o que consigo entregar ao meu importador é esse controle parcial de atendimento. Preciso de um tempo de transição para garantir que tenha esse controle em toda a cadeia.”, diz Fernando Sampaio, diretor de sustentabilidade da ABIEC.

Para atender as exigências, o Brasil vem desenvolvendo uma plataforma para disponibilizar os dados de forma mais transparente e precisa, a fim de ajudar a reduzir os riscos e custos em toda a cadeia, agregando valor à produção agropecuária nacional e apontando as lacunas que necessitam de maior investimento.

O projeto é chamado de Agro Brasil Mais Sustentável. Uma das funcionalidade da plataforma é a implementação de um código de barras para o polígono de produção a fim de comparar quais as áreas mais deficitárias naquela localização.

A iniciativa também visa apoiar os pequenos produtores com custos distribuídos na cadeia de suprimento e mecanismos de incentivo.

“Nosso desafio é trabalhar nos aspectos trabalhista, sanitário, ambiental, fundiário e nas exigências e especificidades legais, como as trazidas pelo DEAR, e empacotar tudo isso de uma forma que o produtor brasileiro tenha condições de certificar seu compliance nesses quesitos com menos trabalho, menos esforço, menos dispendio de energia e de forma acessível e universal, mas também evolutiva, diz Pedro Neto, secretário-adjunto da SCI.

Com a chegada da plataforma prevista para junho de 2024, o Governo Federal espera, enfim, resolver a situação com a União Europeia, já que o bloco econômico é um dos principais importadores de produtos do agronegócio brasileiro.