Apenas 2% dos imóveis concentram 62% do desmatamento ilegal

Dados representam a realidade dos biomas Amazônia e Cerrado. Constatação faz parte de um estudo elaborado por pesquisadores que atuam internacionalmente

A redução dos efeitos prejudiciais ao meio ambiente traz consigo atualmente um crescimento proporcional à busca por diferentes soluções para minimizar o problema. No Brasil, um projeto desenvolvido pelo Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) tem o objetivo de examinar, a partir de uma perspectiva sócio-técnica, a gestão da produção agrícola sustentável, com foco na redução dos chamados Gases do Efeito Estufa (GEE) e da análise de dados relacionados ao desmatamento.

O projeto é encabeçado pelo vice-coordenador do Centro de Sensoriamento Remoto da UFMG, o professor Raoni Rajão, que participou do Planeta Campo Entrevista falando direto do Brazil Institute no The Wilson Center em Washington, DC, capital dos Estados Unidos, onde é Bolsista de Competição Internacional liderando uma pesquisa sobre ciências ambientais e políticas públicas no Brasil, associando ciência, tecnologia e governo.

Pesquisa na UFMG

A pesquisa na UFMG faz parte de um programa que tem se desenvolvido ao longo dos últimos 30 anos pelo Instituto de Geociências, trabalho que se entrelaça com o projeto encabeçado na capital norte-americana.

O Brazil Institute, no The Wilson Center, é a única instituição de política específica focada no Brasil em Washington e trabalha para promover a compreensão da complexa realidade do nosso país.

Durante o período de um ano, o pesquisador vai permanecer em Washington para colaborar com o Instituto Brasileiro, Programa Latino-Americano e Meio Ambiente, um Programa de Mudança & Segurança Ambiental. A colaboração com a equipe da UFMG no Brasil permanecerá ativa e acompanha as atividades no Centro.

“Uma das coisas que eu preciso fazer aqui hoje (nos EUA) é elevar o nível do debate ambiental, principalmente em relação às cadeias livres de desmatamento, um tema muito importante que passa pela União Europeia, Reino Unido e que já está sendo tratado também aqui nos EUA, então é muito importante que a gente tenha uma participação da academia brasileira de vozes ligadas ao Brasil para que as melhores soluções possam ser alcançadas por nosso país”, esclarece Rajão, que é um pesquisador nato e um entusiasta das questões ambientais sem abrir mão da vida acadêmica.

Projeto de mitigação de GEE

Dentro das iniciativas, existe um projeto de mitigação de GEE em setores-chave da economia com o aval do Ministério de Ciências e Tecnologia que identificou quais são as tecnologias, muitas delas vindas do campo, e que, segundo o pesquisador, podem contribuir com a mitigação e os efeitos das mudanças climáticas, como Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF), plantio direto e a própria intensificação da pecuária.

“Temos também uma série de estudos sobre trajetória da gestão da pecuária, onde nós avaliamos diferentes formas de diminuir o impacto da atividade que mostrou, inclusive, a importância do confinamento e da terminação acelerada dos animais na atividade, como forma de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas”, explica o especialista.

O estudo da UFMG motivou o Plano Setorial de Adaptação e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária, o chamado Plano ABC+, aprovado pelo governo federal e em vigor desde setembro deste ano para que se pudesse incluir um financiamento específico para confinamento bovino com base em um estudo desse mesmo grupo e em outros estudos ligados à regularidade ambiental das cadeias, verificando-se a adequação ambiental, principalmente no que diz respeito ao Código Florestal.

“Neste estudo, nós identificamos que somente 2% dos imóveis concentram 62% do desmatamento ilegal na Amazônia e no Cerrado, ou seja, é algo muito localizado e que infelizmente está gerando problemas para todo o setor”, lamentou.

Selo Verde

Amazonia | Planeta Campo

Amazônia. (Foto: Adriano Gambarini / divulgação / Ministério do Meio Ambiente)

O projeto também envolve a criação do Selo Verde, tendo como piloto o estado do Pará e, posteriormente, de Minas Gerais, para o desenvolvendo de sistemas de informação com tecnologias envolvidas e publicadas em revistas científicas e que são aplicadas na administração pública para ajudar de maneira direta o homem do campo e que é também uma continuação do trabalho que vinha sendo feito no BR.

“É uma oportunidade de levar essa voz para um público ainda maior”, comemora o professor que quer disseminar a realidade dos fatos no Brasil referentes ao desmatamento para o cenário internacional. “O BR contribui hoje com cerca de 4% das emissões globais de GEE, sendo que, aos olhos do mundo, parece ser muito mais do que isso, exatamente por causa dessa preocupação com esse símbolo que representa a natureza e a beleza que é a Amazônia e isso faz com que hoje a imagem do BR esteja bastante prejudicada”.

O Selo Verde nasceu como um instrumento de política pública, sendo uma plataforma on-line na qual qualquer ator da cadeia produtiva, inclusive o próprio produtor rural pode entrar inserir um código do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e verificar qual é o status daquele móvel.

As informações ficam disponíveis na ferramenta que não fornece dados pessoais dos proprietários de imóveis e que, segundo ele, vem sendo adotado por grandes frigoríficos, bancos e pelo próprio governo.

“O ponto principal da ferramenta é que nós percebemos nesse piloto que 80% dos imóveis do Pará, que é um estado com muitos problemas, não possuem desmatamento ilegal detectado, ou seja, existe um problema acontecendo em 20% dos imóveis apenas, mas se você não tem uma ferramenta que é capaz de separar o ‘joio do trigo’, é como se todo mundo, na média, estivesse errado por isso nós achamos que é importante termos ferramentas que diferenciem o certo do errado”, enfatizou Rajão.

Cumprimento de metas do Acordo de Paris

Para contribuir com o país no cumprimento das suas metas referentes ao Acordo de Paris, o trabalho utiliza modelagens espacialmente explícitas, como uma espécie de mapa que representa digitalmente a realidade do campo com a capacidade de fazer isso no nível do imóvel rural.

“Hoje existem muitas abordagens mais econométricas de áreas de estudo que representam o município, por exemplo, mas nós achamos muito importante representar o imóvel rural nesse levantamento até porque cada imóvel é diferente e cada produtor também é diferente porque pode haver um produtor muito correto que segue toda a legislação e o vizinho não seguir, então nós criamos essa capacidade de avaliar um por um dos mais de 6 milhões de imóveis com um cruzamento de dados maciços e, com isso, a gente conseguiu reunir informações sobre a trajetória de uso da terra e desmatamentos então eu consigo ver qual é a relação daquilo com a legislação, criação de gado, intensificação daquela produção e avaliar qual o resultado daquela política em relação a um cenário onde aquela política não está presente”, resumiu.

Outra forma de atuação do trabalho do pesquisador envolve projeções para 2030 e até 2050, que buscam entender as trajetórias de produções econômicas e ambientais considerando para um cenário tendencial e outro cenário que utiliza medidas de baixo carbono e medidas mais sustentáveis adotadas.

“Isso permite que se tomem melhores e mais efetivas as decisões porque pode acontecer de estar em andamento uma política pública com uma meta impossível de se alcançar, ou, do contrário, muito fraca, por isso é importante ter essa dinâmica para calibrar essas decisões que são também políticas, mas primeiro você precisa ter dados que forneçam elementos para isso”, concluiu.